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    quarta-feira, 16 de novembro de 2016

    [Destino] Marcelo: "Autuori preferiu o Pringle; acho que não ficou a ganhar"



    «Destino: 90’s»: brilhou no super Tirsense, chegou a um Benfica em remodelação e sem paciência para as caras novas e foi, até, falado para a seleção portuguesa: «Tinha deveres de português, mas não tinha os direitos…» 

    MARCELO: Académica (1989/90; 2002 a 2004), Feirense (1991/92), Gil Vicente (1992/93), Tirsense (1993 a 1995) e Benfica (1995/96)

    O Benfica da segunda metade dos anos 90 não tinha nada a ver com o de hoje. A opinião é unânime, repetindo-se a cada conversa com um jogador que tenha passado pelo clube nesse período. Desta feita é Marcelo, o avançado contratado ao Tirsense, depois de brilhar na temporada 1994/95.
    Esteve apenas um ano na Luz. Uma temporada dura, marcada pela saída de Artur Jorge logo à terceira jornada e em que Marcelo acredita que a ausência de títulos no ano anterior foi a principal causa de tudo o que se seguiu. O Benfica não tinha paciência e os sonhos ruíram como um castelo de cartas.


    Chegado à Luz pela mão de Manuel Barbosa, Marcelo recorda o clima de mudança que se respirava, no início do segundo ano de parceria entre Artur Jorge e Manuel Damásio. «Estavam apostados em fazer uma mudança brusca no plantel que não tinha ganho nada no ano anterior», recorda.

    As coisas não correram muito bem porque a época anterior já tinha sido negativa e com uma mudança brusca de jogadores demora algum tempo a haver uma certa simbiose e automatismos entre todos. E depois acho que as coisas já não começaram bem porque havia uma certa ideia negativa por causa do Artur Jorge. Os sócios já não estavam de bem com o treinador. Só isso explica que à terceira jornada o Artur Jorge tenha sido despedido. É inconcebível, como se despede um treinador à terceira jornada? Ganhámos um jogo, que até foi em Santo Tirso, e empatámos dois e ele foi logo despedido» Relembra Marcelo


    Era o início de um ano difícil para o avançado. O último em Portugal antes do regresso, já perto do fim da carreira, em 2002, para a Académica. Filho de pais portugueses, Marcelo nasceu no Brasil mas veio para Portugal com 12 anos. Veio para estudar e jogava futebol nas horas vagas. Fez a formação no Beira-Mar, passou para a Académica e foi lá que se estreou a nível profissional.



    De Coimbra saltou para Feirense, Gil Vicente e, depois, Tirsense. O clube que lhe mudou a carreira e a vida. «A época de 1994/95 foi o grande embalo da minha carreira. Acabei com 21 golos, um dos melhores marcadores da Liga e foi a partir daí que dei o salto para o Benfica», relembra.
    «Havia muita qualidade nos jogadores. Paredão, Batista, que passou pela seleção brasileira, Cabral, Rui Manuel, Evandro, Giovanella, Porfírio, Caetano… E depois, além de bons jogadores tínhamos grandes homens. Jogadores de equipa. Formamos ali um grupo liderados por um grande treinador, o Eurico Gomes», continua.
    Marcelo sublinha que «era muito difícil a qualquer equipa» passar no campo do Tirsense e guarda excelentes memórias do clube, pelo que fica triste por vê-lo, há já largos anos, afastado dos grandes palcos.


    O Tirsense diz-me muito, marcou uma época muito produtiva da minha vida. Coloquei até dois jogadores no Tirsense, tentei de certa forma ajudá-los a chegar à II Liga, mas não foi possível», lamenta.
    Sim, Marcelo é, atualmente, empresário de jogadores, profissão que exerce há cerca de dez anos, essencialmente em Portugal, pois vive em Coimbra: «Deixei de jogar em 2004 na Académica e no ano seguinte terminei o meu curso de engenharia civil. Entrei na Ordem dos Engenheiros, mas em 2006 decido enveredar como agente. Como a paixão continua sempre, achei por bem seguir essa carreira e tenho tido algum sucesso.»


    O herói da Taça com três golos nos prolongamentos
    Voltando ao Benfica, Marcelo diz que a sua passagem pela Luz se divide em duas fases. Mais difícil a primeira, melhor a segunda. Chegou, então, na época 1995/96, pela mão de Artur Jorge, que foi despedido três jornadas após o arranque da Liga.

    Ficou o Mário Wilson e na segunda parte da temporada a equipa começou a jogar bem e a ter resultados. Só que nessa altura o FC Porto já tinha uma vantagem considerável. Mas ficamos em segundo, na Taça UEFA fomos eliminados pelo Bayern Munique que iria ganhar a prova e que tinha jogadores como o Lothar Matthaus e o Klinsmann. E ganhamos a Taça de Portugal, frente ao Sporting. É sempre um orgulho que tenho, porque fui o melhor marcador do Benfica dessa época na Taça»
    Bem lembrado. Marcelo teve mesmo carácter decisivo nessa conquista. Dos 13 golos que fez pelo Benfica nesse ano, cinco foram na Taça. Marcou ao Farense, no S. Luís, nos oitavos de final, num jogo que terminou empatado (1-1) e obrigou a segundo jogo na Luz, onde o Benfica venceu 3-0 com mais um de Marcelo. Nos quartos de final foi decisivo ao marcar, no prolongamento, o golo da vitória frente ao V. Guimarães (1-0), num golo em que usou a cabeça praticamente colado ao relvado, e nas meias finais voltou a vestir a capa de herói com dois golos à U. Leiria, novamente no prolongamento.



    A caminhada na Taça de Portugal foi uma espécie de oásis numa época turbulenta: «Sentimos muitas dificuldades. Repare, os treinos eram todos abertos. E não era aos sócios, era a quem quisesse lá entrar. A imprensa sempre junto à linha de campo, qualquer situação, positiva ou negativa, vinha logo nos jornais. Havia uma instabilidade muito grande e nós jogadores sentimos isso. Sobretudo os jovens e os que vinham de clubes menores, apanharam ali com a dimensão do Benfica, com o grau de exigência e com a falta de proteção. Tornava-se complicado haver performances positivas no campo.»
    Marcelo destaca ainda que, naquela altura, a «estrutura do Benfica não era tão forte como a do FC Porto», nem tinha nada a ver com a atual.


    Com uma mudança tão grande de jogadores, é normal que os resultados não aparecessem logo. Não houve paciência, não houve defesa dos jogadores contratados, sobretudo aqueles que vieram de clubes de menor dimensão. Eu e o Paredão do Tirsense, o Hassan do Farense, que tinha sido o melhor marcador do campeonato, outros do Belenenses, o Ricardo Gomes e o Valdo voltaram, mas já numa fase terminal da carreira. Outros do estrangeiro, como Panduru e Iliev. Com a falta de paciência dos sócios, havia muita pressão sobre os jogadores que, na verdade, não estavam preparados para aquilo»

    «No início fui criticado, mas no final já era acarinhado»
    O desempenho de Marcelo na Taça de Portugal fez com que a nação benfiquista o passasse a ver com outros olhos. Por isso, admite que ficou alguma mágoa pela forma como deixou o clube, no final da época.
    Paulo Autuori foi contratado para 1996/97 e tinha ideias próprias que não contemplavam Marcelo. «Ele queria os seus jogadores. Trouxe o Pringle para a minha posição. Queriam emprestar-me, eu disse que se era para sair queria ser vendido e fui para o Alavés. O Hassan ainda ficou e veio o Pringle», explica.
    «Acho que não ficou a ganhar. Ele [Pringle] esteve umas duas ou três épocas no Benfica e todos os golos somados não chegaram aos que eu marquei só num ano», destaca.


    Custou-me porque passei uma fase inicial bastante traumatizante e consegui dar a volta. Acabei a época a marcar golos. Marquei nos oitavos de final, quartos, meias finais da Taça. Acho que tive papel preponderante nessa conquista. No início fui bastante criticado pela imprensa e pelos sócios mas no final até era acarinhado. Acho que merecia a oportunidade de continuar. A minha segunda época seria diferente. Estaria mais adaptado. Daria muito mais. As pessoas não entenderam assim, segui a minha vida»

    Em Espanha esteve apenas uma temporada. O Alavés estava na II Divisão, o projeto era de subida, mas não deu grandes condições a Marcelo. Em Inglaterra já foi diferente. «Foi bem melhor», destaca.
    «Fui para o Sheffield United e fui o melhor marcador da equipa nos anos 90, com 22 golos. Fui depois para o Birmingham e fiz lá duas boas épocas. No cômputo geral fiz quatro épocas e meia positivas em Inglaterra. É um futebol em que me revi como jogador», considera.



    «Seleção? Tinha deveres de português, mas não tinha direitos…»
    Filho de pais portugueses e a residir em solo luso desde os 12 anos, foi com naturalidade que o nome de Marcelo foi associado a uma possível chamada à seleção quando estava no Tirsense. Afinal, foi o melhor marcador da Liga durante grande parte da temporada 1994/95, embora tenha sido Hassan, do Farense, a ficar com o galardão, no final.
    A hipótese de representar Portugal, contudo, nunca avançou. «O António Oliveira, que, curiosamente, tinha sido meu treinador na Académica, achou por bem não convocar um jogador nascido no Brasil», lamenta.
    E não esconde que a decisão lhe causou mágoa. «Três anos antes tive de ir à inspeção militar! Portanto, tinha de cumprir os deveres em Portugal, mas não tinha os direitos dos outros só porque nasci no Brasil?», questiona.
    «Na altura fiquei um pouco magoado. A minha situação era diferente de outros jogadores. Mesmo outros que vieram a jogar pela seleção mais tarde não tinham nada a ver com o meu caso», sublinha, referindo-se a brasileiros naturalizados como Deco, Pepe ou Liedson.


    E ainda dá outro exemplo: «O Dimas nasceu na África do Sul e até veio para Portugal depois de mim e já para jogar futebol. E sempre foi convocado. Eu quando vim nem sequer sabia que ia ser jogador de futebol…»

    «A época em que fez dupla comigo foi a melhor do João Pinto»
    Pedimos a Marcelo para nomear os melhores jogadores com quem teve o prazer de jogar e o antigo avançado resumiu a sua escolha ao Benfica, com uma justificação simples: «Foi o ponto alto da minha carreira.»
    Atirou, logo, três nomes: «Ricardo Gomes, Valdo e João Pinto.» Com o antigo internacional português até jogou bem de perto. Várias vezes fizeram dupla no ataque.


    Marcelo vai mais longe, até: «Posso, de certa forma, vangloriar-me que a época em que, creio, o João Pinto marcou mais golos foi quando jogou ao meu lado. Acho que sou capaz de ter tido algum mérito nisso. Eu lutava muito na frente, era um jogador de combate e o João, inteligente como era, aproveitava os espaços. Ele fez 22 golos e eu 13. Acho que a dupla resultou.»
    E a dica de Marcelo acerta em cheio. Mesmo que, nem sempre a seu lado, nunca, nem antes nem depois, João Pinto fez tantos golos como em 1995/96.
    Do Benfica guarda, ainda, as memórias das brincadeiras de balneário, sobretudo de Pedro Roma, à época terceiro guarda-redes, e que tinha uma qualidade especial: «Imitava na perfeição o Mário Wilson! Tinha muito jeito, era fabuloso.»





    O Mário Wilson era muito sui generis. Muito amigo do jogador, tinha um sentido de humor bastante refinado e tinha saídas que ninguém estava à espera, muito engraçadas. Lembro-me de uma vez que estávamos a treinar finalização no Campo 2 do Estádio da Luz. Os centrais batiam a bola para os laterais cruzarem e nós, os avançados, finalizávamos. O Mário Wilson ficava virado para a baliza para ver a finalização e a bola passava por cima dele. Houve uma altura em que o Ricardo Gomes bate a bola mas acerta nas costas do Mário Wilson. [risos] Ele já tinha alguma idade e levar com uma bolada nas costas sem contar quase o atirou ao chão. Ele vira-se para trás e diz: ‘quem me acertou nas costas? Quem acertou não joga!’ O Ricardo diz logo: ‘Mister fui eu’. E ele: ‘Ok, tu jogas sempre…’»

    in MaisFutebol

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