Amaral: «Abaixo de Deus, o Benfica é o maior!»
Amaral teve duas passagens pelo Benfica, ambas curtas e por empréstimo, mas ficou no coração encarnado. Os adeptos criaram até um fundo, o «Fica, Amaral» para comprar o passe do médio, embora em vão. Ao Maisfutebol recorda a passagem por Lisboa, por um clube que passou a amar, e conta várias histórias da carreira, esclarecendo a alcunha de coveiro.
Amaral: Benfica (segunda metade de 1996/97 e segunda metade de 1997/98)
Médio brasileiro que passou por duas ocasiões pelo Benfica, ambas curtas, mas suficientes para o nome de Amaral ficar no coração dos benfiquistas.
Não foi pelos golos porque não marcou nenhum, nem pelas assistências, nem por ser um virtuoso. Foi pela «entrega», refere o próprio em conversa com o Maisfutebol, na qual recordou a passagem pela Luz, os pastéis de Belém que comia aos «dez por dia», o plantel do Parma com Buffon e Cannavaro, a seleção brasileira e ainda a participação num reality-show. Tinha ainda a alcunha de «Coveiro» que esclareceu ao nosso jornal.
Foi numa viagem de carro que nos atendeu o telemóvel e esteve uns longos minutos à conversa, com a alegria de sempre. Aliás, essa alegria é um dos motivos que o faz ser tão concorrido para ir à televisão.
«Quando você liga a televisão só vê sangue, então quando liga a televisão e vê o Amaral vai dar risada, vai ficar feliz.»
Recuámos então até dezembro de 1996 quando Amaral chegou ao Benfica por empréstimo do Parma, conjunto que o tinha contratado ao Palmeiras, onde se formou.
Entrou a meio da época, mas impôs-se logo nas águias e dali até ao fim da temporada fez 24 partidas, apenas uma como suplente utilizado.
Esse Benfica acabaria por ser apenas terceiro na Liga e finalista derrotado da Taça de Portugal, perdida para o Boavista (2-3). Amaral relembra os bons amigos desse plantel.
«Tenho vários amigos aí. Quando cheguei ao Estádio da Luz houve um cara que me deu muita moral que foi o João Vieira Pinto. Vi-o ser campeão europeu pela seleção portuguesa este ano e fiquei muito feliz. É uma pessoa com quem aprendi muito. Depois o Donizete e o melhor guarda-redes que joguei na minha vida, o Michael Preud’Homme», contou.
O médio reconhece que o Benfica não vivia um bom período da sua história e relembra o famoso «Fica, Amaral»
«No Benfica eu estive muito bem, só que o clube passava por uma situação financeira difícil e não tinha condições de comprar o meu passe. Até houve uma iniciativa dos adeptos, o ‘Fica, Amaral’, na qual foram recolhidos fundos, mas não conseguiram chegar à quantia que o Parma queria pelo meu passe.»
Para o brasileiro, o que os adeptos encarnados fizeram foi «muito gratificante» e diz mesmo que são «a melhor torcida do mundo».
«Digo sempre aos meus companheiros no Brasil que o Benfica atualmente não tem conquistado títulos importantes como a Champions League mas graças a Deus é sempre campeão português. Para mim, a maior torcida que eu já vi na vida é a do Benfica. Em todos os lugares do mundo onde fui havia benfiquistas. Estive na casa do Benfica na Suíça há uns anos e há sempre benfiquistas que me recordam.»
Apesar do tal fundo não ter resultado, Amaral voltaria ao Benfica pouco depois. No final de 1996/97 saiu das águias e foi cedido pelo Parma ao Palmeiras até ao término do ano no Brasil. Ora em dezembro de 1997, Vale e Azevedo, que se tinha tornado presidente do Benfica em outubro desse ano, resgatou o jogador.
«Voltei com o Vale e Azevedo e tenho a certeza que mesmo não tendo conquistado títulos no Benfica, os adeptos têm um carinho muito grande por mim e eu também tenho um carinho muito grande por eles. Espero um dia regressar aí e ser homenageado, porque quando eu joguei no Benfica, eles viram que eu vesti a camisola com amor», explicou.
Nesse ano era Graeme Souness o treinador dos encarnados, que não lhe deu muito tempo de jogo. Fez apenas quatro jogos logo em dezembro e janeiro e só voltou à ação em maio para mais uma partida.
Isso foi um pormenor para Amaral, já que o seu amor ao Benfica não tem limites, reconhece.
«O benfiquista é apaixonado. Eu não sabia da grandeza do Benfica, só a descobri quando cheguei a Portugal e depois quando estive pela Europa, na Itália, na Turquia, na Polónia e depois na Austrália. Encontrei sempre portugueses e sempre falando do Benfica. Abaixo de Deus, o Benfica é o maior!»
E Amaral ainda acrescenta que quando vê este Benfica de agora, fica com ciúmes: «Gostaria de ter ficado mais épocas, às vezes até me tenho ciúmes porque atualmente têm um melhor plantel, um belo estádio, um centro de treinos. Na época não tínhamos a facilidade que os jogadores têm hoje.»
Depois fica o aviso para quem representa hoje em dia o clube: «Que isso sirva de exemplo para eles jogarem com amor à camisola porque o Benfica é grande!»
Amaral tem um grande amigo no plantel do Benfica que é Luisão e o médio já lhe transmitiu esta ideia: «Torço muito por ele, é um grande parceiro, um grande amigo.»
O que é que Amaral tinha de especial para ser amado na Luz?
Como já referido não foi pelos golos, pelas assistências ou pelo brilhantismo que Amaral ficou conhecido na Luz.
O próprio explica:
«Foi pela minha entrega dentro de campo, não fui um jogador que fiz muitos golos, mas quando vestia a camisola do Benfica e entrava na Luz lotada, mais de 90 mil pessoas, com a águia descendo do céu... não tinha como você não inspirar e ‘comer a grama’.»
De imediato recorda um exemplo dessa «entrega»: «O jogo que me marcou mais no Benfica foi quando me lesionei. Levei 10 pontos perto do joelho e vi o sofrimento dos torcedores. Os médicos disseram que ia parar um mês e eu em quinze dias estava pronto com a perna ligada. Foi isso que conquistou os corações dos benfiquistas.»
Só que Amaral era «entrega» dentro de campo e «risada» fora dele. Diz o médio que eram tantos diariamente que não se lembra de todos, mas destaca um logo após a chegada.
«Lembro-me de um episódio quando cheguei aí e precisava de colocar uma coisa no meu armário. Fui à secretaria e perguntei à senhora: ‘Me empresta um durex [fita-cola no Brasil], preciso colar na parede uma coisa e tal...'. Ela me 'xingou', me 'escolachou'. Eu fiquei puto, caramba. Fui com toda a educação pedir um durex. Depois fui para o balneário e falei para o roupeiro. 'Fui à secretaria pedir um durex e a Dona Paula me 'escolachou'. E ele disse-me: 'Não, rapaz, Durex é camisinha'. Eu não sabia!»
O convívio com o «amigo Buffon», Cannavaro, Ancelotti, Rui Costa e Nuno Gomes
Amaral chegou à Luz por empréstimo do Parma em 1996, clube que tinha comprado o seu passe no verão desse ano.
Antes de rumar a Portugal ainda fez uns jogos pelos italianos, um deles em Guimarães, na estreia de Gianluigi Buffon em jogos europeus.
Os vimaranenses venceram por 2-0 e eliminaram o Parma da Taça UEFA. Vítor Paneira abriu o marcador aos 16 minutos e Ricardo Lopes fez o segundo aos 50’, já sem Amaral em campo, que foi titular e saiu ao intervalo.
Amaral recorda esse jogo e sobretudo o «amigo Buffon».
«Buffon tinha um bom talento, tinha uma sombra muito grande que era o Bucci, que era selecionado para a seleção italiana. O Buffon esteve sempre a correr por fora e quando ele teve a oportunidade entrou e não saiu mais. Está hoje aí ainda, é a estrela maior da Juventus.»
O guarda-redes tinha 19 anos na altura e foi nessa época de 1996/97 que se começou a afirmar, realizando 29 jogos. Atualmente, Amaral e o capitão da seleção italiana ainda conversam.
«O Buffon é um grande amigo, até hoje ainda temos contacto. Ele veio aqui ao Brasil para disputar o Mundial, mas não tivemos a possibilidade de nos encontrarmos. Às vezes a gente conversa pelo Whatsapp. Foi uma pessoa com quem aprendi muito, também com o Fabio Cannavaro, que estava nessa época.»
Era uma grande equipa e os dois internacionais pela Squadra Azzurra são só dois bons exemplos. Amaral dá mais: «O Parma era uma equipa muito forte. Tinha ainda o Lilian Thuram, o Zola, que era considerado o sucessor do Roberto Baggio. Tínhamos um elenco maravilhoso e um treinador que estava a começar e que hoje é dos melhores do mundo, Carlo Ancelotti.»
Havia ainda o sueco Tomas Brolin, o jovem Hernán Crespo, Mario Stanic, Dino Baggio, Zé Maria ou Roberto Sensini. O brasileiro diz que aprendeu muito naquele pequeno tempo no Ennio Tardini, apesar das dificuldades linguísticas.
«Não entendia muito o italiano (risos), mas o que eu entendi foram tudo coisas que acrescentaram na minha carreira e que me fizeram evoluir e crescer.»
Acabaria por ser emprestado ao Benfica, depois ao Palmeiras, novamente ao Benfica e fez mais duas passagens pelo «seu» Brasil: Corinthians e Vasco da Gama. Após isso chegou à Fiorentina, na qual fez duas épocas: 2000/01 e 2001/02.
Em Florença, cidade da qual tem grandes recordações, jogou com dois portugueses que tal como ele nutrem um grande amor pelo Benfica.
«Tive a possibilidade de jogar com o Nuno Gomes no Benfica e na Fiorentina. Com o Rui só na Fiorentina. É uma pessoa que aprecio muito, com quem aprendi muito, é um dos ‘camisas’ 10 que todos os clubes queriam ter. O Milan adquiriu-o depois da Fiorentina entrar em falência. Felizmente, tive a possibilidade de ser campeão da Copa de Itália com ele.»
Amaral foi internacional brasileiro por 13 ocasiões. Quando fala sobre isso deixa uma opinião curiosa: «Foi uma oportunidade muito grande. Sempre dei valor à seleção brasileira, mas em primeiro lugar dava valor ao meu clube, porque é através do clube que pagava o meu salário, que cheguei à seleção. Não podia jogar mal no clube porque ia jogar mal na seleção.»
Preud’Homme, Helton e Buffon: o que têm em comum?
Amaral estreou-se na equipa sénior do Palmeiras em 1993 e só terminou a carreira em 2015, ao serviço do clube da sua terra, o Capivariano. Tinha 42 anos. Na sua longa carreira, na qual passou por 20 clubes em oito países diferentes e quatro continentes distintos, Amaral não hesita em destacar três senhores das balizas com quem jogou. «Digo sempre que tive o privilégio de jogar com três grandes guarda-redes, os melhores com que joguei: Preud’Homme, Helton e Buffon.» Em Parma encontrou Buffon como já referido, em Lisboa, o belga, que para si era o melhor:
«Era impressionante, tinha uma facilidade de encaixar, não soltava uma bola. Vê-se aí muitos guarda-redes que soltam a bola, e às vezes eu falo: ‘Porra, com o Preud’Homme chegavam cara a cara e ele não soltava. Parecia que tinha um super-gum [pastilha elástica] no peito’.»
«Coveiro? Não! Eu enfeitava e maqueava os defuntos» Amaral é conhecido como o «coveiro», já que diziam que antes de ser futebolista trabalhava no cemitério a abrir covas. Afinal é mentira:
«Eu trabalhava numa funerária, mas não fazia covas. Eles falavam que eu era coveiro, mas eu era agente. Eu enfeitava e maqueava os defuntos, que já estavam com a cara triste e eu fazia na cara deles uma risada no caixão.»
Ri-se Amaral depois de contar isto, mas logo a seguir conta mais uma história digna de gargalhada.
Em 2015, o ex-jogador participou no reality-show denominado A Fazenda, uma experiência diferente e «sofrida»
«Foi uma experiência legal, muito sofrida que durou 14 dias. Olha, tive uma prova lá em que tinha de ficar a dormir com um cavalo e o cavalo ‘peidava’ a noite toda. Os meus companheiros achavam que era eu que estava ‘peidando’. Foi uma risota, mas foi legal!»
Atualmente, Amaral vai participando nesse tipo de eventos, comenta futebol na televisão, é protagonista em publicidades e joga ainda numa seleção de veteranos do Brasil.
Já em fase de despedida, de uma conversa longa enquanto conduzia, Amaral reiterou a vontade de regressar a Lisboa e há algo de que tem muitas saudades.
«Espero voltar a Portugal e a Lisboa, mas não só ao Estádio da Luz. Quero voltar a Belém, comer aquele pastelzinho que eu ia sempre. Comia 10 por dia».
Não resistimos: ‘Mas como é que alguém que comia tantos pastéis de Belém conseguia estar em forma?’
«Depois eu corria tanto dentro de campo que as ‘gordurinhas’ saíam todas!» Risos e mais risos e uma despedida com o seu clube do coração em foco.
«Deus vos abençoe. Força Benfica!»
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